Assinalamos hoje, aqui em Loures, o 110.º aniversário da Revolução Republicana de 1910. A partir da História, olhamos para a actualidade e para o futuro do nosso País.
Na viragem para o século XX, Portugal era um país economicamente atrasado, essencialmente agrário, com uma indústria incipiente, uma elevadíssima taxa de analfabetismo, uma pobreza estrutural, afectando milhões de pessoas. Muitas procuram na emigração uma alternativa para sair da miséria em que as suas famílias se encontravam há gerações consecutivas.
Portugal, país colonizador, que explorava os territórios além-mar, era simultaneamente um País colonizado, sujeito ao domínio estrangeiro, sobretudo da Inglaterra, que aqui explorava quantas riquezas podia.
As degradantes condições de vida do povo – salários baixos, longas jornadas de trabalho, ausência de políticas sociais – faziam realçar a decadência e o parasitismo do regime monárquico e a exigência do seu derrube. O significativo processo de industrialização que se verificou nos últimos anos da Monarquia, e o crescimento correspondente da classe operária, foram acompanhados do desenvolvimento da luta social e contribuíram para a criação das condições que tornaram possível o triunfo da revolução.
A revolução republicana de 1910 culminou um longo período de desgaste de uma monarquia decrépita, anacrónica e desacreditada.
Em Loures, no Centro Escolar Republicano, situado no Largo do Chafariz, actual Largo 4 de Outubro, onde nos encontramos, reuniram-se vários republicanos que, constituindo-se em Junta Revolucionária, às 15 horas deste dia 4 de Outubro, ocupam os Paços do Concelho, hasteando uma bandeira republicana e proclamando a República.
É esta data de há 110 anos, desacertada do calendário revolucionário da generalidade do País, é esta determinação revolucionária antecipada, são estes homens generosos e destemidos, que hoje aqui queremos assinalar.
O povo de Loures dava o pontapé de saída para que Portugal se tornasse, para honra e gáudio do povo português, a terceira República da Europa.
A vitória da Revolução Republicana de 1910 possibilitou importantes progressos no plano das liberdades e direitos fundamentais, da educação e da cultura, da laicização do Estado. Dotou o País de uma Constituição avançada para a época, a Constituição de 1911.
Progressos que partiram da iniciativa e de reivindicações populares, em particular da luta reivindicativa dos trabalhadores. Progressos que devem ser reconhecidos e valorizados, porque enfrentaram as classes dominantes, ainda que tenham deixado intactos o aparelho do Estado, o sistema de propriedade, e inalterada, em grande medida, a dura situação dos trabalhadores.
Perante as suas legítimas reclamações, os trabalhadores tiveram como resposta um ataque violentíssimo ao movimento sindical, com a prisão de dirigentes, o encerramento de sindicatos e jornais operários, a deportação de milhares de activistas.
A Primeira República afastou-se, progressivamente, das classes e camadas populares. Alienou o apoio popular indispensável para consolidar o regime democrático e enfrentar a reacção monárquica e fascista. Esta última, depois de várias tentativas, sempre frustradas pela decisiva mobilização das massas populares, acabou por impor uma ditadura militar que deu lugar ao fascismo.
A ausência de resposta aos problemas de amplas massas populares, a traição aos ideais republicanos, a submissão do poder político ao poder económico, criaram o caldo de cultura propício ao poder fascista, ao serviço dos interesses do grande capital.
Por mais expressões que se usem – Estado Novo, II República ou regime autoritário, – este poder não pode deixar de ser considerado como aquilo que foi: fascismo. Com estruturas fascistas. Estado corporativo fascista. Polícia política fascista. Censura fascista. Proibição fascista das liberdades. Prisões e campos de concentração fascistas.
A Revolução de Abril acabou com o fascismo, libertando Portugal desse jugo opressor, devolvendo as liberdades ao povo, respondendo aos seus interesses e anseios, devolvendo aos povos das ex-colónias as suas pátrias. Assumiu um conteúdo profundamente progressista, cujos valores se encontram ainda plasmados na Constituição da República Portuguesa.
Os valores de Abril assumem um inigualável papel na nossa vida colectiva e projectam-se como horizonte de esperança no presente e no futuro de Portugal.
Vivemos uma curva apertada da vida do País. A situação despoletada pela Covid-19 deixou ainda mais à vista bloqueios e problemas estruturais que há muito se arrastam e avolumam.
As dificuldades são instrumentalizadas para atacar direitos, agravar a exploração e as desigualdades sociais e económicas, degradar as condições de vida da generalidade da população. Promove-se o medo e o conformismo. O risco de um retrocesso de dimensão civilizacional é real.
Este é um tempo decisivo.
Ou a intervenção do Estado acerta o passo com as necessidades reais dos trabalhadores, do povo e do País, ou se converte, uma vez mais, num veículo de drenagem da riqueza produzida pelo trabalho para o grande capital e o estrangeiro.
Esta República, a República de Abril, tem de encontrar as respostas aos problemas complexos que hoje se apresentam ao nosso povo.
A República tem essas forças e essa energia. Assim as respostas assentem na mobilização dos trabalhadores e do povo, na participação popular e no combate determinado pelos valores que são os seus.
Para romper com a promiscuidade entre o poder político e o poder económico, com a submissão do primeiro ao segundo, que está na origem da corrupção larvar que inquieta tantos portugueses.
Para melhorar as respostas dos serviços públicos às necessidades das populações, em particular no que respeita à escola pública e ao Serviço Nacional de Saúde.
Para combater a pobreza, as desigualdades e as discriminações.
Para combater os défices estruturais do País.
Para garantir uma justiça célere, acessível a todos os cidadãos, e que a todos trate por igual.
A República não pode permanecer, hoje como ontem, manietada pelo domínio estrangeiro, incluindo de estruturas supranacionais, como a União Europeia. A dependência e subordinação política e económica perante potências estrangeiras são factores que há 110 anos coarctavam, e continuam coarctando hoje, o desenvolvimento soberano do País.
A República não pode servir os interesses dos grandes grupos económicos e financeiros, nem promover o seu domínio sobre esferas crescentes da vida nacional, que limita a democracia e o desenvolvimento.
A República somos todos! Somos os que aqui nasceram e os que aqui quiseram vir aportar. Somos as mulheres e os homens. Somos os jovens e os menos jovens. Somos os da cidade e os do campo. Somos os trabalhadores, incluindo os que estão desempregados. Somos os que partiram para outras partes do mundo e os que cá estão. Somos os que aprendemos e os que procuramos ensinar. Os que não desistem da cultura nem do seu papel transformador. Somos os que fizeram Abril e os que o defendem todos os dias, projectando o seu impulso progressista nas lutas do presente e do futuro.
Cento e dez anos depois, esta candidatura a Presidente da República constitui um voto de confiança no povo português. Na sua capacidade criativa, na sua determinação, que sempre se revelou nas mais apertadas e difíceis curvas da História.
Cento e dez anos depois, afirmamos que o Presidente da República tem um instrumento decisivo para defender a República: a Constituição aprovada a 2 de Abril de 1976, cujos conteúdos, não obstante as mutilações que sofreu em sucessivas revisões, comportam as respostas necessárias para fazer face aos problemas do povo e do País.
Cento e dez anos depois assumimos o combate pelos trabalhadores, pelo povo, pela democracia, pela paz, pelo progresso social, pela soberania e pela independência nacionais.